quinta-feira, 12 de abril de 2012

As sobras que fazem moda.


O designer de óculos radicado em Londres, o gaúcho Maurício Stein, viu centenas das suas criações serem rejeitadas pelas empresas para as quais trabalhava, pelo fato de serem ousadas ou estranhas demais. Isso começou há quase cinco anos. Hoje, Stein comercializa as “rejeições” e faz moda ao transformar aquelas sobras em uma marca de óculos criativa e inovadora, a Rejected Samples (do inglês, “modelos rejeitados”).



Foi no início de 2008 que a VIEWconversou, pela primeira vez, com odesigner de óculos Maurício Stein. Naquela época, ele já vivia na capital inglesa e tinha um dos empregos mais interessantes do universo da moda: caçador de tendências. Com apenas 27 anos, era contratado da rede britânica de roupas e acessórios Topshop e Topman – duas das mais famosas no segmento de fast fashion – e tinha a missão de garimpar referências de moda e tendências de comportamento em brechós, festas, festivais de música, fábricas, lojas nas principais capitais do mundo e onde mais essas referências pudessem estar.
Em seguida, o gaúcho formado em desenho industrial em Porto Alegre, tratava de entender aquelas referências, encontrar uma tendência em potencial nela e, por fim, transformar aquele bem intangível em um produto comercializável: óculos, tanto modelos solares quanto de receituário, todos exclusivos, produtos de seu faro apurado e cabeça criativa.
Em um ponto daquela primeira reportagem com Stein, publicada na VIEW 88 (maio de 2008), falava sobre uns tais óculos que desenhava para a Topshop e a Topman e que eram rejeitados pelas respectivas direções por serem vanguarda demais. Stein guardou aqueles modelos descartados e os batizou como Rejected Samples (do inglês, “modelos rejeitados”). Um ano antes da entrevista, portanto, o designer já havia colocado 200 unidades daqueles óculos na bagagem e desembarcado no Brasil com a missão de vendê-los em brechós de Porto Alegre. No total, 150 foram comercializados – os outros 50 já estavam prometidos a amigos e parentes. “Disse (aos lojistas) que a maioria havia sido feita para a coleção da Kate Moss e que ela mesma aceitou os óculos, mas a empresa não. Alguns toparam comprar na hora, outros rejeitaram, dizendo que pareciam óculos de camelô por não terem marca. O Brasil ainda é muito ligado a marca e meus óculos são a não-marca por excelência. Eu gosto disso”, afirmou naquela altura.
Agora, quase quatro anos depois daquela primeira entrevista, aos 31 anos, ainda vivendo em Londres e trabalhando como designer de óculos para a divisão inglesa da empresa de acessórios Elite Creations (www.elite-creations.co.uk), original de Hong Kong, Stein conversou novamente com a revista para contar como seus Rejected Samples cresceram, viraram uma marca sua e de seu irmão, Eduardo Dechtiar, se expandiram pela Europa e se tornaram uma coleção lucrativa que já está sendo comercializada no Brasil.
A vitória das sobras – A origem dos Rejected Samples ainda é a mesma de 2007: sobras ou exemplares recusados das coleções que Stein cria para cerca de 50 clientes na Inglaterra. Por mês, os óculos rejeitados somam, em média, 400 peças, que o designer compra das empresas – embora sejam obras suas. Stein e Dechtiar testam a qualidade das lentes, fazem ajustes, limpam e deixam os óculos prontos para serem colocados nas caixas exclusivas Rejected Samples e partirem rumo a lojas de Milão, onde Dechtiar estuda na Academia de Belas Artes de Brera. “Faz uns nove meses, pedi para o meu irmão vender os óculos na faculdade. As pessoas adoraram e ele começou a fazer bazares em sua casa, chegando a vender 50 óculos por dia. Hoje, cinco lojas de Milão já comercializam a Rejected Samples”, conta o designer. Dechtiar é o responsável pelas vendas e a identidade visual da marca. Graças a ele, os Rejected Samples também são comercializados, além das lojas, em feiras de arte, moda e design da cidade italiana. No Brasil, as peças já estão em algumas lojas de Porto Alegre.
Como têm amigos em várias partes do mundo, Maurício e Eduardo já enviaram alguns de seus óculos para serem vendidos, em caráter experimental, em cidades como Tóquio, Praga, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas, para não gerar conflito com os interesses das empresas para as quais trabalha, Stein não vende a coleção na Inglaterra.
“O Rejected Samples foi algo simples, que eu não fiz muito esforço para colocar em prática, mas agora começou a ficar sério. Acho que as coisas que dão certo na vida são assim mesmo, quando não se leva muito a sério”, aposta. Por mês, os irmãos chegam a vender 200 peças com preços entre 30 e 60 libras na Europa (algo em torno de R$ 92 e R$ 183). No Brasil, sairão por R$ 120 a R$ 140. “Os preços são acessíveis, para todo mundo poder comprar”, explica.
Influenciado pela criatividade, a liberdade e a ironia típicas da moda feita em Londres, Maurício Stein acredita que os óculos são acessórios que agregam humor e diversão ao estilo de cada pessoa. Daí que suas criações sejam lúdicas, coloridas, com formas e conceitos não convencionais e o valor acessível permite que o usuário tenha diversos modelos para compor diferentes combinações com roupas e demais acessórios. “Às vezes os óculos têm de ser só divertimento, para usar, sair com os amigos e se perder, perdeu. Precisa ser algo acessível. São óculos cool, interessantes, com materiais mais básicos mas lentes de qualidade”.
A linguagem de quem usa – Se o despojamento e a inventividade formam a base da criação dos Rejected Samples, nada mais coerente do que chegarem ao público consumidor por meios não convencionais – justamente as vias com as quais esse público tem mais intimidade. Blog e redes sociais como Twitter e Facebook são os principais canais de divulgação dos exemplares rejeitados de Stein e seu irmão. Fotos bem humoradas dos usuários dos óculos postadas nas redes sociais da marca ajudam a fortalecer a identidade da coleção, destinada a quem não está amarrado a conceitos clássicos de moda e nem ao peso de grifes.
Além dos bazares para exposição e venda dos Rejected Samples, festas também são um eficaz chamariz para potenciais compradores. Outra estratégia de divulgação e reforço do conceito é colocar os óculos no rosto de pessoas públicas que são referência para os consumidores. Stein enviou alguns modelos para blogueiros difusores de tendências e para seus amigos da Banda Uó, grupo musical goiano que faz um bem bolado de tecnobrega, pop, letras cafonas e muita cor no figurino, que ganhou o Video Music Brasil, prêmio do canal MTV, na categoria webclipe com o videoclipe Shake de amor.
Rejected em versão premium – Hoje, Stein e Dechtiar buscam mais clientes no Brasil para emplacar seus Rejected Samples. “A meta é ter um espaço para vender aí. Esses óculos são finitos; tenho um limite para vender e sempre preciso estocar mais para a próxima estação. O caminho será criar uma coleção de uns 30 modelos diferentes. Para isso, temos parceria com uma fábrica na China que vai desenvolver a Rejected Samples Premium. Isso vai ser bom para a projeção da marca e a gente quer continuar com essa ideia de reciclar coisas que iriam para o lixo. Se o Rejected Samples der certo no Brasil, em dois anos estou de volta”, vislumbra o designer.
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